Page 97 - Reflexão sobre São José
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Comparada à nossa vida de hoje, devemos reconhecer que a vida comunitária do passado era
          toda mais simples, de uma simplicidade que perdemos sem saber como substituí-la por algo
          semelhante. Mas, não nos é permitido ser ingênuos ao ponto de nos fecharmos num saudosismo
          imóvel. Pensar na Festa dos Santos Esposos no ano dedicado a São José obriga-nos a acertar as
          contas com nossa vida comunitária no contexto social e eclesial de nossos dias. Não podemos
          pretender continuar vivendo como se não afetasse a nossa vida, muito mais do que podia afetar
          as gerações passadas, a influência de personagens como: Marx, Freud, Nietzsche, Foucault ..., e
          acontecimentos  como  o  Concílio  Vaticano  II  com  as  várias  reações  desencadeadas,  e  as
          denúncias no nosso tempo por abusos de poder, etc...

          De uns tempos para cá vem mudando não só o contexto em que vivemos, mas também a nossa
          própria  concepção  de  Deus  e  as  formas  de  nos  relacionarmos  com  Ele.  Antigamente,  a
          obediência significava submissão incondicional à mediação entre os homens e Deus: a Igreja, os
          superiores, as diversas autoridades, etc., etc. O modelo era, por assim dizer, o da obediência da
          criança,  ancorado  em  uma  mal  compreendida  infância  espiritual.  Hoje,  mais  do  que  nunca,
          somos chamados à obediência inteligente e ativa, o que se traduz em participação responsável.
          Sejamos  humildes  em  reconhecer  que  ainda  estamos  muito  longe.  Para  permanecer  com  a
          imagem  adoptada,  já  não  somos  crianças,  porque  perdemos  a  nossa  inocência:  os  defeitos
          encontrados  nas  pessoas  e  nas  instituições  já  não  nos  permitem  aceitar  acriticamente  as
          mediações do passado, mas por outro lado ainda não nos tornamos adultos, capazes de gerir as
          nossas relações com maturidade e de assumir as consequências de todas as nossas escolhas. O
          que somos nós então? Eu diria que somos ... adolescentes: já não somos crianças, ainda não
          somos adultos. Quando decidimos "ficar no Templo", queremos, é certo, ouvir as palavras de
          ternura de uma mãe amorosa, mas também queremos ser ouvidos nas nossas razões por um pai
          silencioso.

          Sabemos que um superior tem, sim, a graça do estado, mas isso não faz dele um anjo, não o isenta
          de  ser  um  homem  sujeito  às  suas  falhas  e  a  todo  impulso  de  ambição,  de  fazer  carreira,  de
          desempenhar um papel de liderança, de acumular dinheiro, de adular personagens de alto nível e
          assim por diante. Por outro lado, mesmo a Igreja, estimulada pelo surto de escândalos como o do
          "caso Maciel" parece ter repensado a sua prática, outrora consolidada, de estar sempre do lado do
          superior, como está a demonstrar também um fato de crônica do nosso passado mais recente! Da
          mesma forma, os membros de uma comunidade são, sim, movidos pelo desejo de servir a Deus
          com mais autenticidade, mas também eles se vêem impedidos pelo própiro egoísmo, orgulho,
          individualismo,  indiferença  para  com  os  outros,  etc.,  e  assim  por  diante.  Hoje,  sem  fideísmo
          inconsequente, somos chamados a assumir a Vida Religiosa com responsabilidade pessoal.

          E como se dá o relacionamento de nós, homens do século XXI, com Deus? Também aqui eu diria
          que estamos na fase adolescente: superamos a estação do medo do inferno, que nos mantinha
          bem  comportados.  O  apelo  dos  pregadores  à  justiça  de  Deus  com  a  relativa  ameaça  de  seus
          castigos implacáveis já não serve de nada, a não ser para produzir futuros sentimentos de culpa,
          que no entanto não limitam as oportunidades de pecado no presente. Como jovens que estão
          prestes  a  se  tornar  adultos,  não  queremos  pecar,  mas  experimentar  as  coisas  boas  da  vida,
          ousando tocar as fronteiras máximas entre a nossa liberdade e o que é proibido.

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