Page 100 - Reflexão sobre São José
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Na Bíblia, o sinal da interioridade é o coração, a sede da vontade e da decisão. São Pedro usa uma
     imagem evocativa quando fala do "homem escondido no coração" (1 Pd 3, 4) e São Paulo põe o
     homem interior contra o homem exterior (2 Cor 4, 16-18).

     A interioridade é um tema que percorre toda a tradição cristã. Retomando o aviso do antigo
     "Conhece-te a ti mesmo", que se sintetiza no chamado a refletir sobre o sentido da vida, a vida
     interior elabora o que se vive fora e faz perguntas essenciais: quem sou eu?, de onde venho?, para
     onde  vou?,  qual  é  o  sentido  do  que  faço?,  quem  são  os  outros  para  mim?  Só  através  da
     interiorização pode-se tornar "sujeito" da própria vida (E. Bianchi). Já Santo Agostinho tinha
     escrito: "Não saias de ti mesmo, está dentro de ti: a verdade habita nas profundezas do homem".

     2. A VIDA INTERIOR HOJE

     Na sociedade contemporânea, fundada sobre o culto da aparência e do ativismo, muitos vivem
     fora  dela,  em  busca  contínua  de  estímulos  e  novidades  externas.  Nos  estudos  dedicados  à
     condição do homem atual podemos ver o aparecimento do vazio interior, que leva à busca de
     compensações no abuso de drogas, álcool e jogos, ou na dependência da Internet e das redes
     sociais  em  geral;  descobrimos  a  fragmentação  interior  com  a  necessidade  de  recomposição;
     destacamos caminhos que tendem a afastar o homem da relação consigo mesmo e a mover para
     fora  o  centro  de  gravidade  da  pessoa  humana;  e  descobrimos,  finalmente,  a  tentativa  de
     esquecer o mal-estar interior causado pela perda do sentido transcendente da vida humana. O
     psiquiatra Vittorio Andreoli, em seu livro L'uomo di superficie (O homem da superfície), fala de
     nossa  civilização  como  projetada  para  o  exterior,  vivendo  da  evasão  institucionalizada,
     reduzindo tudo ao que vemos e ao que atrai, e assim gradualmente apaga sua interioridade.

     A isto se deve acrescentar outro dado, evidente e ao alcance de todos: o desaparecimento do
     silêncio,  considerado  antinatural  e  supérfluo.    O  ponto  problemático  do  homem  de  hoje,
     portanto, é o coração dilacerado, que perdeu o elemento essencial da vida: a interioridade, a
     realidade  que  oferece  sentido,  inspiração  e  impulso  à  existência  consciente,  e  que  é  o  lugar
     privilegiado do encontro com Deus.

     3. SÃO JOSÉ DE NAZARÉ E A VIDA INTERIOR

     Para evitar mal-entendidos, é importante ter presente que São José não é um teólogo no sentido
     literal  da  palavra,  como  aquele  que  se  entregou  ao  estudo  teórico  da  vida  interior  e  suas
     implicações nas relações com o Absoluto. Nem sequer é um monge de clausura que nos deixou
     um diário da alma, do qual tirar para conhecer o caminho a seguir na busca de Deus. Apesar de
     tudo isso, a exortação apostólica Redemptoris Custos fala do "perfil interior desta figura" (n. 25)
     e de sua "insondável vida interior" (ib.). Ele vive "em contato diário com o mistério  ‘escondido
     desde todods os séculos’ e que ‘estabeleceu a sua morada’ sob o teto de sua casa". (n. ib).

     O texto da exortação apostólica não deixa de sublinhar que é precisamente da sua insondável
     vida interior, marcada pelo contato diário com o mistério do Verbo encarnado, que "lhe provêm
     ordens e consolações singularíssimas; dela lhe decorrem também a lógica e a força, própria das
     almas simples e límpidas, das grandes decisões" (RC 26).
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