Page 28 - Reflexão sobre São José
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momentos  de  profundidade  interior.  José  nunca  será  deixado  sozinho  nesta  história,
             sempre e pontualmente receberá o sussurro de uma Palavra, que guardará em segurança;
             sabendo que a sua história não poderia ser um erro: mantém esta mulher... Dá o nome...
             Fuge para o Egito... Volta do Egipto... Vai para a Galileia... José será chamado a cada  vez
             para entrar na sua missão: aquela que Deus lhe estava dando.

             É aqui que está em jogo a possível evolução, crescimento, maturação de cada um deles. Ou
             a vida está na fronteira entre o visível e o invisível, embora se encontre no meio de uma
             pandemia entre a consternação e o medo, mas na consciência de que Deus está por detrás
             das  coisas;  ou  a  história  é  uma  simples  concatenação  de  coisas  causa/efeito  que
             reconduzem ao inescapável.
             José  não  será  um  esposo  e  pai  por  si  mesmo,  sê-lo-á  segundo  Deus.  De  acordo  com  a
             pedagogia de Deus. Entrando a cada vez no plano de Deus.

             Estamos no mundo, mas não somos do mundo, porque somos de Deus. A sua experiência
             convida-nos  a  reconhecer  a  vida  cristã  não  como  algo  barato,  de  bons  deveres  e  bons
             sentimentos, o que em certo sentido nos coloca a salvo num suposto status quo; desligados
             da tragédia da realidade. Reconhecer, redescobrir o sentido profundo da vida significa, na
             maioria das vezes, passar por essa mesma tragédia, para abrir a semente da salvação. O
             cristão não recebe uma chamada à normalidade. São José torna-se um pai e um esposo de
             uma forma bem longe do normal. Nada é o mesmo se vivermos como um filho de Deus.
             A história deve ser olhada através do invisível, caso contrário, permanecerá sempre na
             horizontal. O xeque-mate jogará sempre entre permanecer na mediocridade ou entrar na
             grandeza. E para isso será importante permanecer na fronteira entre o humano e o divino.

             A instabilidade causada pela pandemia a todos os níveis sociais e de uma forma ainda
             mais  marcante  a  experiência  do  confinamento,  devolveu  em  todos  a  consciência  da
             sensação  de  impotência.  Algo  certamente  triste,  trágico,  mas  que  não  deve  ser
             subestimado  e  descartado.  A  experiência  de  não  ser  o  mestre  do  tempo  e  da  história
             colocou claramente cada homem perante a possibilidade de discernir a melhor forma de
             viver o momento histórico; o presente que lhe é dado continuamente como um presente.
             Ou seja, a possibilidade de acolher, enfrentar e viver a realidade, o próprio mal-estar, o
             problema, partindo: ou de chorar por si próprio, ou de entrar nesta experiência e vivê-la
             como uma possibilidade de encontro com Deus.

             Se não se abre o coração, estas coisas não são vistas. "Faça-se em mim segundo a vossa
             Palavra"  (Lc  1,38).  "Despertado  do  sono,  fez  como  o  anjo  lhe  tinha  dito"  (Mt  1,24).  De
             alguma  forma  a  obra  de  Deus  passa  por  nós.  A  possibilidade  é  sempre  dupla:  ou
             permanecer  fechado,  inermes,  presos  no  próprio  horizonte,  na  própria  angústia;  ou
             permitir a Deus, através dos acontecimentos, realizar a sua obra. A cada um deles é dada
             a possibilidade contínua de dizer sim ou não.

             O  perigo  que  o  cristão  de  hoje  poderia  correr  é  de  considerar  a  oração,  a  fé,  a  relação
             pessoal com Deus como uma forma de "seguro" contra acidentes. A experiência de José de
             Nazaré acompanha-nos desta forma para reformular a nossa oração: não, livrai-nos da


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